Os portugueses só podem ser inventados
Luís Osório (n. 1971) é jornalista e escritor. Trabalhou em vários jornais e televisões portuguesas. Ficou conhecido pela sua escrita crítica, mas também humanista e reflexiva. É autor de livros de entrevistas, crónicas e ensaios. Publica regularmente textos de opinião em jornais e tem também uma rubrica diária na rádio Antena 1, O Postal do Dia.
Os portugueses só podem ter sido inventados – vê lá se não concordas
1.
No ano em que comemoramos os 150 anos do Zé Povinho, continua a fazer-se a mesma pergunta:
– o que é isso de ser português?
O que nos identifica de imediato, o que nos distingue, o que nos envergonha ou orgulha?
Bem, há múltiplas definições, diversos olhares, mas, para mim, patriota convicto, o que nos distingue e identifica é o paradoxo, a contradição, é a nossa capacidade de ser uma coisa e o seu contrário.
2.
Somos Fado e temos este Sol.
Somos os que partiram à conquista e descoberta e os que ficaram a dizer mal dos que partiram.
Somos generosos e egoístas.
Corajosos e cobardolas.
Somos os que fizeram uma revolução em que as únicas quatro mortes aconteceram por um quase engano.
Somos racistas, mas foi graças a nós que nasceu a mestiçagem e o crioulo.
3.
Mas mais.
Somos mais frágeis do que os catalães e bascos, mas fomos nós que sobrevivemos.
Somos orgulhosos, mas não protegemos o que é nosso.
Somos os que vão de férias para as Caraíbas sem conhecer os Açores ou o Gerês.
Somos os que se comem vivos dentro de casa e os que se defendem ate à morte se estiverem no estrangeiro.
Somos os são capazes de dizer bem num dia e odiar no outro.
Os que têm sempre de dizer “mas” depois de fazer um elogio.
Somos amigos dos nossos amigos, mas nem todos os dias torcemos pelo seu sucesso.
Somos Fernando Pessoa, mas não lemos Fernando Pessoa.
Não lemos Saramago, mas temos opinião sobre ele.
Imigramos para fora, mas dizemos mal dos que emigram para dentro.
Somos simpáticos e desconfiados.
Somos católicos, mas não praticamos muito.
Temos um passado glorioso, mas não falamos do passado.
Temos orgulho e vergonha ao mesmo tempo.
Somos otimistas, mas vemos o copo meio vazio.
Somos sedutores, mas baixinhos e sabujos.
Fomos destinados a perder, mas sobrevivemos.
Tudo nos empurra para baixo, mas na História ganhámos mais do que a maioria.
Somos pobrezinhos e os que nasceram com a arrogância dos predestinados.
Somos pequeninos, mas também a Pátria de Camões, Cristiano, Paula Rego, Maria João Pires, Lobo Antunes, Guterres, Tiago Rodrigues, Siza, Mourinho, Sobrinho Simões, Elvira Fortunato e Joana Vasconcelos.
Somos uma coisa e o seu contrário.
Somos esta praia e esta preguiça.
Esta montanha e esta aridez.
Estes rios e esta interioridade.
Esta esperança e este desânimo.
Somos o que ainda está por nascer e o Adamastor que nos rebentou com a vida.
Somos únicos e tratamo-nos tão mal.
Tenho orgulho de ser português.
Sem mais, sem reticências, sem dúvidas, sem vontade de ser outra coisa.
Mas é difícil sermos o que é luz e sombra.
O que é buraco e megalomania.
O que é condenação, martírio e vitória.
Só podemos ter sido inventados por quem não é daqui.
Não achas?
Postal do Dia, Antena 1
ENGLISH VERSION
Luís Osório (b. 1971) is a journalist and writer. He has worked for several Portuguese newspapers and television stations. He became known for his critical yet also humanist and reflective writing. He is the author of books of interviews, opinion columns, and essays. He publishes opinion pieces regularly in newspapers and also has a daily radio segment, O Postal do Dia.
The Portuguese could only have been invented – see if you don’t agree
1.
In the year we celebrate the 150th anniversary of Zé Povinho, the same question is still asked:
– what does it mean to be Portuguese?
What identifies us immediately, what sets us apart, what makes us ashamed or proud?
Well, there are multiple definitions, different perspectives, but for me, a staunch patriot, what defines and distinguishes us is paradox, contradiction, our ability to be one thing and its opposite.
2.
We are Fado and we have this Sun.
We are those who set sail for conquest and discovery, and those who stayed behind to speak ill of them.
We are generous and selfish.
Brave and cowardly.
We are the ones who made a revolution in which the only four deaths happened almost by mistake.
We are racist, but it was thanks to us that miscegenation and Creole were born.
3.
But there is more.
We are more fragile than the Catalans and Basques, yet we were the ones who survived.
We are proud, but we don’t protect what is ours.
We are those who go on holiday to the Caribbean without ever knowing the Azores or the Gerês.
We are those who eat each other alive at home and defend each other to the death when abroad.
We are those who can praise one day and hate the next.
Those who always have to say “but” after giving a compliment.
We are friends of our friends, but we don’t root for their success every day.
We are Fernando Pessoa, but we don’t read Fernando Pessoa.
We don’t read Saramago, but we have opinions about him.
We emigrate abroad, but we speak ill of those who immigrate here.
We are friendly and distrustful.
We are Catholics, but we don’t practice much.
We have a glorious past, but we don’t speak of the past.
We feel pride and shame at the same time.
We are optimistic, but we see the glass half empty.
We are seductive, but short and sycophantic.
We were destined to lose, but we survived.
Everything pushes us down, but in History we won more than most.
We are “pobrezinhos” — poor little things — and yet also those born with the arrogance of the predestined.
We are small, but also the homeland of Camões, Cristiano, Paula Rego, Maria João Pires, Lobo Antunes, Guterres, Tiago Rodrigues, Siza, Mourinho, Sobrinho Simões, Elvira Fortunato, and Joana Vasconcelos.
We are one thing and its opposite.
We are this beach and this laziness.
This mountain and this aridity.
These rivers and this hinterland.
This hope and this despair.
We are what is yet to be born and the Adamastor that shattered our lives.
We are unique, and we treat each other so badly.
I am proud to be Portuguese.
Plain and simple, without hesitation, without doubts, without any wish to be something else.
But it is difficult to be both light and shadow.
To be hole and megalomania.
To be condemnation, martyrdom, and victory.
We could only have been invented by someone not from here.
Don’t you think?
Postal do Dia, Antena 1