Poesia

Energia e ética

É considerado hoje um dos grandes escritores em Língua Portuguesa do século XXI, reconhecido pela crítica internacional e publicado em 46 países, em 35 línguas diferentes./ Foto: DR

Sei isto: a minha energia está canalizada

Para a palavra fazer, gosto da ideia de construção

E o que dela existe nos movimentos normais.

Agrada-me a palavra engenharia e o que ela

Representa: não saias de um sítio sem deixares algo

Atrás de ti. Dirijo-me apenas às coisas que me excitam

Positivamente e me levam a fazer outras coisas, dirijo-me

Às pessoas de que gosto, nunca às de que não gosto;

Sempre me pareceu insensato que se pare,

Nem que por um momento, de admirar, há

Sempre actos e coisas que nos ajudam

neste cálculo infernal da distância entre o dia de hoje

e a nossa morte. E qualquer pessoa dar um passo que seja

em direcção ao que não aprecia, para insultar, ou derrubar,

parece-me brutal perda de tempo, uma falha grave

no órgão de admirar o mundo

(deves combater uma ou duas vezes na vida,

se combateres duzentas vezes

é porque os combates são fracos).

Não sei pois como viver. O que li e vi

Serve-me apenas para ser mais lúcido, não

Para ser melhor pessoa. Adquiri esta regra (ou nasci com ela):

– e é talvez uma moral –

mover-me apenas em direcção ao que gosto.

Se o prédio é alto, escuro, feio

me impede de ver o sol, não fico a insultá-lo, não

moverei um dedo para o deitar abaixo:

contorno sim os edifícios necessários

até chegar ao espaço onde possa receber aquilo que

quero. Se chegar lá de noite, montarei acampamento.

 

Gonçalo M. Tavares, 1, ed. Relógio D’Água